Participação de ciclistas nas mortes viárias cresce 20% devido a um aumento no uso de bicicletas elétricas, diz OMS

A quinta edição do Relatório do Status Global de Segurança Viária divulgada nesta quarta-feira, 13 de dezembro de 2023 pela Organização Mundial da Saúde, mostra que a participação de ocupantes de bicicletas na contagem anual de mortes no trânsito aumentou 20%, saindo de 5% em 2010, para 6% em 2021.

Em números absolutos, agora são 71 mil óbitos de ciclistas por ano em todo o planeta ou 194 casos por dia, número similar à lotação de um avião 737-800 da Gol Linhas Aéreas.

O crescimento da participação de ciclistas no total de mortes viárias é particularmente maior em países do Sudeste Asiático, onde esse número triplicou, saltando de 4% em 2010 para 12% em 2021.

Nesse mesma toada está a Europa, que viu o grupo de ciclistas no total de mortes viárias avançar 125%, crescendo de 4% para 9%. A variação é um contrassenso, uma vez que é a região registrou a maior taxa de queda no cômputo geral, cortando em 36% os óbitos entre os anos 2010 e 2021.

O ano 2021 foi usado para a comparação pela OMS devido à interferência da quarentena imposta pela pandemia de Covid19 nos índices de mortalidade de 2020.

Idosos em bicicletas elétricas

Uma explicação para essa maior participação de ciclistas nos óbitos viários está relacionada ao incremento no uso de bicicletas elétricas.

“Uma coisa boa é que estamos vendo mais pessoas idosas usando a bicicleta elétrica. Mas isso pode ser um problema se você não tiver uma infraestrutura adequada para apoiar esse aumento”, salientou Nhan Tran, gerente de Segurança e Mobilidade do departamento de Determinantes Sociais em Saúde da OMS, durante coletiva com a imprensa via Internet, dois dias atrás.

Como exemplo de cidade onde a estrutura cicloviária tem sido pensada para ciclistas, ele citou Paris, onde a prefeitura não só aumentou o número de ciclovias, mas passou a alargar as existentes para acomodar a chegada de mais ciclistas.

“Isso é o tipo de coisa que nós (da OMS) temos encorajado os governos a fazerem. Monitorar como as pessoas estão se movimentando nas cidades e adaptar a infraestrutura e as políticas de mobilidade para ter certeza de que elas estão seguras”, ressaltou.

“Evidências em alguns países sugerem que o aumento nas mortes de ciclistas é devido em parte à eletrificação das bicicletas, o que resultou no aumento do número de passageiros em cidades que, muitas vezes, carecem de infraestrutura adequada. Em alguns países, houve um aumento no uso de e-bikes entre pessoas mais velhas, grupo especialmente vulnerável à ferimentos graves e morte em caso de sinistros de trânsito. Esses exemplos ilustram a importância de monitorar e conduzir pesquisas sobre como as inovações tecnológicas são adotadas nos sistemas de transporte e o impacto delas na segurança”.

Trecho do Relatório do Status Global de Segurança Viária 2023 – pág 16

Mortes de pedestres também subiram

Outro dado preocupante são as mortes de pedestres, que subiram 3% no mesmo período. Já são 274 mil por ano e respondem por 23% da mortalidade viária global. O estudo indica que 80% das estradas do mundo não cumprem as normas para atender a segurança de quem caminha, ainda que outra pesquisa utilizada no relatório mostre que nove entre dez respondentes tenham se identificados como pedestres.

Ao mesmo tempo, só um em quatro países possui políticas para promover a caminhada, o uso da bicicleta ou transporte público e, dentre os 68 milhões de quilômetros de ruas e estradas reportados, apenas 140 mil possuem ciclovias, uma participação ínfima de 0,2%.

Rogério Viduedo 06 de maio de 2023
Ciclista pedala na avenida Jaguaré, zona oeste de São Paulo, em local sem infraestrutura.

Em geral, óbitos viários caem 5%

Levando em consideração todos os modais, ainda que o grupo de pedestres, ciclistas e motociclistas continuem enfrentado um risco crescente e agudo de morte uma vez que a grossa maioria de novas ruas e avenidas têm sido construídas sem qualquer adequação para a segurança deles, os óbitos no trânsito global diminuíram 5%, caindo de 1,25 milhão em 2010 para 1,19 milhão em 2021, anualmente.

 “O número trágico de mortes em ocorrências de trânsito está caminhando na direção certa, para baixo, mas nem de longe é rápido o suficiente”, afirma o Diretor-Geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Motoqueiros lideram óbitos nas Américas

Nas Américas, os óbitos de ciclistas respondem por 4% do total. Já os líderes são os ocupantes de motocicletas, com 28% de participação regional, seguidos por ocupantes de veículos que carregam mais de 10 pessoas somados aos usuários da micromobilidade (26%), dos pedestres (23%), e dos ocupantes de carros, picapes e caminhões (19%).

 “A carnificina em nossas ruas é evitável. Apelamos a todos os países para que coloquem as pessoas, e não os automóveis, no centro da sua vida e se certifiquem em garantir a segurança dos pedestres, ciclistas e outros usuários vulneráveis”, avalia dr. Tedros.

Esforços notados

Entre os 194 países-membros da ONU, 108 relataram uma queda nas mortes no período e um seleto grupo de dez deles conseguiram reduzir as mortes no trânsito em mais de 50%: Bielorrússia, Brunei, Dinamarca, Japão, Lituânia, Noruega, Federação Russa, Trinidad e Tobago, Emirados Árabes Unidos e Venezuela. Outros 35 registaram progressos notáveis, reduzindo as mortes entre 30% e 50%.

As conclusões do  relatório baseiam-se principalmente em um levantamento e revisão da legislação em que 170 países-membros da ONU e dois territórios participaram. Para os 24 que não participantes deste relatório, foram usados dados dos seus perfis.

O Brasil no Relatório

A  forma de apresentação dos dados do quinto relatório é de fácil entendimento para leigos que entendam o básico do inglês. Cores são usadas para diferenciar o nível de comprometimento do países com as cinco melhores práticas da OMS para mitigar risco de morte no trânsito.

Mapa do relatório mostra em vermelho os países que não limitam as velocidades em 50 km/h nos centros urbanos.

O Brasil vai bem em quatro dos quesitos. Tem boas leis para uso de capacetes por motociclistas, obriga uso cadeiras de crianças e do cinto de segurança nos automóveis e é rígido na fiscalização da direção sob efeito de álcool.

Aqui, o problema ainda é a velocidade nos centros urbanos, para o qual o Brasil aparece em vermelho mapa. A lei não obriga os municípios a adotarem os 50 quilômetros por hora como limite, mas vale ressaltar que atualmente tramita o projeto de lei 2789/2023 na Câmara dos Deputados que pretende alterar o Código de Trânsito Brasileiro para fazer essa adequação.

Sudeste asiático, o mais atingido

O relatório mostra que 28% das mortes globais no trânsito ocorrem no Sudeste Asiático; 25% no Pacífico Ocidental; 19% na África; 12% nas Américas; 11% no Mediterrâneo Oriental e 5% na Europa.

Nove em cada 10 mortes ocorrem em países de baixa e média rendas, sendo desproporcionalmente maiores quando comparadas ao número de veículos e de ruas e estradas que eles possuem.

O risco de mortalidade é três vezes maior nos países de baixa renda do que nos países de alta renda, ainda que os primeiros possuam apenas míseros 1% do total de veículos motorizados do mundo.

Cinquenta e três por cento de todas as mortes no trânsito são de usuários vulneráveis, incluindo: pedestres (23%); motociclistas (21%); ciclistas (6%); e usuários de dispositivos de micromobilidade, tal como os patinetes elétricos (3%). Já as mortes de ocupantes de automóveis e outros veículos de quatro rodas caíram ligeiramente, para 30% das fatalidades globais.

Lentidão na legislação  

A pesquisa revelou uma alarmante falta de progresso no avanço das leis e dos padrões de segurança viária. Apenas seis países têm leis que atendem às melhores práticas da OMS para todos os fatores de risco, que são o excesso de velocidade, a condução sob o efeito do álcool, o uso de capacetes por motociclistas, uso de cinto de segurança e de cadeira especial para crianças, enquanto 140 países (dois terços dos países-membros da ONU) possuem leis para pelo menos um destes fatores de risco.

“É digno de nota que 23 desses países modificaram suas leis para atender às melhores práticas da OMS desde a publicação do Relatório Global do Status da Segurança Viária de 2018”, diz a nota para a Imprensa.

Frota de carros vai dobrar em 2030

A OMS também alerta para o aumento da frota global de veículos motorizados que deverá duplicar até 2030. No entanto, apenas 35 países – que representam menos de um quinto dos países-membros da ONU – possuem legislação sobre os principais tecnologias de segurança de veículos, tais como freios antiblocagem e sistemas de proteção contra impactos frontais e laterais.

Há grandes lacunas na garantia de infraestruturas rodoviárias seguras, com apenas 51 países – um quarto dos países-membros da ONU – com leis que exigem inspeções de segurança que abrangem todos os usuários das vias.

Etienne Krug, diretor do departamento de Determinantes Sociais de Saúde da OMS, alerta para os impactos dos sinistros nas populações. “Ainda morrem 3.200 pessoas todos os dias nas ruas do mundo e os sinistros de trânsito continuam como a principal causa de morte de crianças e jovens até 29 anos de idade. Entre os adultos, é a 12ª causa de óbito, atingindo pessoas em idade de trabalho com graves consequências não só para a saúde mas também para as economias”, ressalta.

Crianças aprendem a pedalar em Heliópolis, em São Paulo: população mais afetada pelas mortes de trânsito

Relatório atual é o quinto da série

O Relatório Global do Status da Segurança Viária de 2023 é o quinto de uma série que vem medindo o progresso das ações lideradas pela OMS para reduzir as mortes no trânsito. Ele abrange o período entre 2010 e 2021 e estabelece uma linha de base pelos esforços para cumprir a meta da Década de Ação das Nações Unidas 2021–2030 de reduzir pela metade as mortes no trânsito até 2030.

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