O vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, disse ontem que a partir de 11 de maio o governo paulista poderá implementar uma “quarentena heterogênea” para permitir a reabertura da economia no estado. Hoje, a Folha de S.Paulo deu manchete sobre o assunto.

Tudo vai depender da curva de achatamento da epidemia. Vão “ouvir a ciência” antes de tomarem quaisquer decisões. A estratégia estará ao cargo do Comitê de Contingência do estado, que vai discutir o plano de relaxamento com representantes da sociedade civil e de empresários.
Estão analisando propostas tal como a da Fiesp, que criou um cronograma de 42 dias estabelecendo qual setor é mais prioritário e em quais horários cada um deles vai operar diariamente, de forma a controlar o fluxo de pessoas nas ruas, no transporte e nos ambientes de trabalho.
O que não vi foi qualquer ação para levar as pessoas a usar a micromobilidade como opção de locomoção.
Em São Paulo, a administração municipal está mais preocupada em redesenhar a planilha de custos das empresas de ônibus . Aparentemente, Bruno Covas está mantendo a construção de novas ciclovias, mas logo no começo da crise aceitou o fechamento de bicicletários junto com o governo do estado. Mesmo depois da intervenção do governador para que Metrô e CPTM reabrissem os equipamentos, a prefeitura paulistana preferiu manter fechado o bicicletário do Largo da Batata, operado pela Tembici e Itaú.
Se o exemplo é Berlim, favor adotar as ciclofaixas temporárias, pelo menos
O senso-comum para quem nunca pisou na plataforma da Estação da Luz às 18 horas ou se espremeu dentro de um ônibus bi-articulado em direção ao Terminal Bandeira é que dentro do carro não se pega corona. Mas lá dentro do prédio espelhado na Faria Lima tem muita gente que se locomove assim e o corona pode chgar ao motorista de carro a um toque do acionador do elevador.
Por isso, uma quarentena heterogênea eficiente deve considerar que 15 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo usam trens e ônibus para ir trabalhar (36%), 13,3 milhões vão à pé (30%), 13 milhões usam um transporte individual motorizado (29%) e só 400 mil usam bicicleta (0,9%). A fonte é a pesquisa Origem Destino 2017.
O vice-governador disse que o plano de reabertura escalonada da economia vai usar exemplos de cidades do exterior, como Berlim. E isso é ótimo, pois Dória, Covas e outros administradores da região têm a oportunidade de se equipararem às melhores governanças públicas mundiais.
Para isso, precisam ser criativos e destemidos, pois terão que apostar na micromobilidade para manter o distanciamento social exigido para conter a epidemia. Mas tenham certeza, podem entrar para a história.
Na carrocrata capital alemã, por exemplo, a bicicleta tornou-se ferramenta contra o corona. A cidade implantou uma rede de ciclovias instantâneas que tiram espaço dos carros para dar a ciclistas. Outras 133 cidades alemãs vão fazer o mesmo para reduzir a poluição, já que em cidades poluídas a taxa de mortalidade do Covid-19 é muito mais alta.
A chanceler da Alemanha Angela Merkel, ao falar ontem sobre o relaxamento do lockdown foi precisa: “não seja embalada pela falsa sensação de segurança”. Ela avisa que a quarenta pode voltar a qualquer momento se identificarem aumento nas contaminações.
Para não ficar em Berlim, há outras cidades que estão redesenhando as ruas para retomar a circulação de pessoas de forma segura.
Milão anunciou que vai tirar 35 quilômetros de ruas dos carros para dar a ciclistas e pedestres de forma provisória. A cidade é uma das mais poluídas da Europa e desde que a quarentena foi implementada os níveis de congestionamento caíram de 30 a 75%.
Sábado, a peruana Miraflores anunciou um plano piloto incentivar a caminhada e as pedaladas ao trabalho, com rotas de bicicleta em ciclofaixas temporárias, alargamento de calçadas onde há maior movimentação de pedestres e aumento no tempo de semáforos para cruzamento de vias.

Nos Estados Unidos, Minneapolis fechou o usual acesso de carros a alguns parques da cidade para que as pessoas possam praticar exercícios e relaxar. Em Oakland, o programa Slow Streets da prefeitura tirou 74 quilômetros de ruas dos carros – 10% do total da cidade – para dar a pedestres.
No Canadá, Vancouver reorganizou o uso do Stanley Park. Carros não são mais permitidos, só pedestres. Em Winnipeg, quatro ruas estão restritas ao ciclismo e às caminhadas das 8 às 20 horas diariamente. Em Calgary, as faixas de tráfego foram realocadas para o ciclismo. Nessas cidades, a população entende que o exercício ao ar livre é fundamental para a sanidade mental das pessoas.
Na Nova Zelândia, outro país carrocentrista, a primeira-ministra anunciou um fundo emergencial para ser usado por cidades que queiram implantar ciclovias temporárias.
É tempo de ruptura e disrupção
O tempo é de ruptura, caros governador João Dória e prefeito Bruno Covas. Tempo de incentivarem a disrupção da mobilidade em direção ao cumprimento das metas de redução de emissão de gás estufa. Vejam por exemplo como seria legar fazer uma ciclovia temporária de Jandira até a divisa de Osasco com São Paulo ao mesmo tempo em que criam programas para utilização de bicicletas na rede de ensino.
Vocês têm a chance de mudar o curso da história e para isso têm a ciência ao lado de vocês. Vejam este estudo do Cebrap sobre a economia que o sistema de saúde geraria aos cofres públicos se bicicleta fosse mais utilizada na capital
Há nessa crise a oportunidade de São Paulo liderar a grande guinada na indústria da mobilidade ao realocar para esse setor a força de trabalho e o capital ora dispendidos no complicado e ineficiente sistema automotivo/petrolífero.
E não precisa ser só bicicleta. Scooters, patinetes, skates elétricos e outras engenhocas também são bem vindas. O que importa é estar a dois metros de distância e não queimar gasolina ou óleo diesel.