Eu tenho certeza de que leitoras e leitores desta coluna não contratariam uma empreiteira para fazer um muro nas suas casas se soubessem antes que uma obra semelhante realizada por essa mesma firma tinha desabado e provocado as mortes de duas pessoas. Mas, olhem o absurdo: a Prefeitura de São Paulo fez exatamente isso.
Para construir a ciclopassarela Jornalista Érika Sallum, inaugurada no final de janeiro deste ano ao custo de R$ 46 milhões, a gestão Ricardo Nunes (MDB) contratou a Concrejato Engenharia, a mesma empreiteira integrante do consórcio responsável pela obra da Ciclovia Tim Maia no Rio de Janeiro. Com extensão de nove quilômetros, ela foi inaugurada em janeiro de 2016 ao custo de R$ 43,7 milhões como parte da infraestrutura para a Olimpíada que a cidade recebeu naquele ano.
Porém, quatro meses depois de aberta ao público, em 21 de abril, um feriado de Tiradentes, um trecho de 50 metros da estrutura junto às rochas da orla do mar desabou perto da Praia de São Conrado e matou Ronaldo Severino da Silva, de 60 anos e Eduardo Marinho Albuquerque, de 54 anos. Outros trechos dessa ciclovia vieram a desabar mais três vezes depois da tragédia. Interditada à época, só foi liberada para a população novamente em abril de 2024.
Já aqui em São Paulo, há indícios de que a Concrejato tenha entregado novamente uma obra cicloviária com problemas. Em 18 de fevereiro de 2025, menos de um mês após a cerimônia de inauguração pomposa na qual o prefeito Ricardo Nunes aparece com seu convescote para dizer que é amigo de ciclistas, parte dos gradis de proteção e dos corrimãos da ciclopassarela foram arrancados pelo vento e jogados nas linhas de eletricidade da Linha 9 do trem suburbano que liga o bairro do Grajaú na Zona Sul de São Paulo à cidade de Osasco, interrompendo o serviço e prejudicando milhares de trabalhadores e trabalhadoras.
Lá no Rio, a queda da Tim Maia levou para o banco dos réus 15 pessoas das empresas que planejaram e executaram a obra. Treze foram condenadas em primeira instância a uma pena de três anos, quatro meses e vinte dias de reclusão, sendo que duas delas tinham mais de 70 anos idade e foram consideradas inimputáveis. Quatro delas eram executivos da Concrejato: o diretor de obras, Marcello José Ferreira Carvalho, o vice-presidente Ioannis Saliveros Neto, o gerente técnico Jorge Alberto Schneider e Fabrício Rocha Souza, gerente de obras.
A decisão do juiz de primeira instância em 2020 foi mantida pelos desembargadores da segunda instância em 2022, mas ninguém ficou preso, pois a pena foi transformada em restrições de direito, multas e prestação de serviços comunitários. Mais tarde, em 2023, os profissionais foram absolvidos.

No sábado passado (22/02), eu usei a ciclopassarela Érika Sallum pela primeira vez depois do incidente. Os gradis que se soltaram foram soldados de forma emergencial, mas do jeito que estão não inspiram confiança. Também encontrei uma rachadura no corrimão da grade (foto) em um trecho que desce para a ciclovia na margem do rio. Não é normal ver uma estrutura que deveria te proteger de cair de uma altura de 50 metros apresentar esse tipo de problema em menos de um mês após a inauguração. Dá medo.
Se eu vou continuar usando a ciclopassarela? Bem, vontade eu não tenho. Primeiro que, em termos de trajeto, eu prefiro a calçada da ponte da Eusébio Matosos, que corre ao lado, por ser o caminho mais rápido e mais curto. É o que urbanistas chamam de linha do desejo. E agora, sabendo dessas condenações, vou ficar sempre ressabiado quando tiver que cruzá-la.
Em nota, a SPObras, empresa da Prefeitura de São Paulo vinculada à Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb), informou que foi exigida da construtora “a garantia de que todas as medidas necessárias foram adotadas para evitar nova ocorrência”. Leia o texto na íntegra:
“A SPObras informa que a ciclopassarela Jornalista Erika Sallum funciona normalmente após a reinstalação, na madrugada de quarta-feira (19), de parte do guarda-corpo danificado pelas chuvas. Não houve feridos nem danos ao cabeamento da linha férrea. A SPObras vistoriou o local e na mesma data notificou a empresa responsável para que, em até cinco dias úteis, apresente um relatório com as causas do incidente, as soluções propostas e a comprovação da qualidade dos serviços conforme as normas técnicas. Também foi exigida a garantia de que todas as medidas necessárias foram adotadas para evitar nova ocorrência.”
*Publicado na Coluna Jornal Bicicleta no Brasil de Fato em 28/02/2025
Descubra mais sobre Jornal Bicicleta
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

O fato da construtora ter construído a ciclovia Tim Maia, na orla do Rio, não permite sua eliminação pela Prefeitura de São Paulo. A lei 8666/93 não veta sua participação em licitação. Se a justiça já julgou o caso, a princípio, isso permite a participação em licitações e se ela apresentar o menor preço, ela ganha. Não sei o que foi colocado nas exigências de qualidade da ciclovia. Se o desenho foi mal feito, a construtora faz gastando o mínimo possível, dentro dos parâmetros exigidos. A qualidade do trabalho pode ser questionado e as soldas podem ter se rompido por falta de análise vibracional da estrutura, algo que foi o motivo do desabamento da ciclovia por causa da falta de análise da ondulação e do impacto das marés no conjunto. A ponte cicloviária tem de ter uma análise da vibração e do sistema de amortecimento, que antigamente não existia em obras de engenharia civil (anos 1950… rs e observados a partir dos anos 80…). Rompimento de soldas pode ser subdimensionamento e do amortecimento da vibração da ponte ao lado ou mesmo da marginal Pinheiros. Pode ser incompetência, má fé ou simples erro. Prefeitura pode ter feito solicitação errada, assim como a prefeitura do Rio…
CurtirCurtir