A Câmara Temática da Bicicleta, instância participativa da Prefeitura de São Paulo criada em 2015 como espaço de diálogo entre os ciclistas e o governo municipal, vem por meio desta carta manifestar o seu repúdio ao fracasso gestão pública em garantir a segurança dos ciclistas da capital paulistana.
Em julho de 2024, tivemos que ler na imprensa duas notícias que não gostaríamos que fossem verdade.
Primeiro, a notícia de que faltando 5 meses para o fim do mandato do atual prefeito, apenas 16% de sua meta de implantação de novas estruturas para ciclistas foi cumprida. Dos 300 quilômetros de novas ciclovias prometidos na eleição de 2020 e ratificados nos planos de metas apresentados à população em 2021 e 2023, apenas 49,7 km foram efetivamente entregues para a população.
Segundo, o aumento histórico de mortes de ciclistas na cidade. Até o final de julho deste ano, infelizmente já foram registrados 29 óbitos de usuários deste modo, ante 15 vítimas no mesmo período. Apenas entre junho e julho, 12 vidas foram perdidas em cima de uma bicicleta. Mantida a tendência, chegaremos ao fim do ano com o maior número de vidas perdidas dos últimos 10 anos.
O aumento de sinistros fatais de trânsito tem acontecido em todos os modos de transporte, o que mostra que há uma crise generalizada na gestão da segurança viária.
Estas duas notícias estão totalmente conectadas entre si.

O aumento de mortes não é circunstancial. Ele é um óbvio resultado de uma negligência em grande escala da prefeitura com as demandas da comunidade dos ciclistas, apresentadas mês a mês nas reuniões da Câmara Temática de Bicicleta. Nesses encontros, nós somos ouvidos, mas raramente somos de fato considerados.
A ampliação da rede cicloviária, política de estado acordada pela cidade no PlanMob em 2015, é uma ação afirmativa que comprovadamente aumenta a segurança do ciclista e salva vidas. Infelizmente, ela tem sido ativamente negligenciada pela Prefeitura nos últimos anos por gestões não comprometidas com a mobilidade ativa. O número absolutamente baixo de novas ciclovias não têm justificativas justas, pois não passam de desculpas burocráticas. Isso só pode ser creditado ou uma deliberada falta de vontade política ou à incompetência técnica. Essa morosidade custou a vida de nossos companheiros, de nossos amigos.





Das poucas novas estruturas implantadas, muitas já nascem deixando a desejar, como é o caso da Av .Mutinga em Pirituba, que praticamente deixou de existir após pressões de políticos e empresários, sem sequer nos escutar. Como a transposição cicloviária Ponte do Jaguaré, obra que já chegou a ser paga à construtora responsável, mas que até hoje segue sem implantação. Como as polêmicas “ciclolinhas” como a da Av. 13 de Maio no centro, implantadas com tamanho inferior ao mínimo previsto no manual de obras da própria prefeitura. Esses são apenas alguns exemplos de pautas que levamos à CTB e que não tiveram solução.
Nos últimos anos, diversas demandas trazidas pela Câmara foram ignoradas ou atendidas com lentidão. A manutenção das ciclofaixas da cidade segue deixando a desejar, especialmente nas periferias, mesmo um ano após um contrato de manutenção permanente ter sido lavrado, e de uma cuidadosa auditoria cidadã ter sido entregue em 2022 pela Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo. Não são poucas as ciclofaixas que desapareceram com o tempo, abandonadas, e que voltaram a virar estacionamentos. O programa BikeSP, lei aprovada pela Câmara de Vereadores ainda em 2016 que poderia ser uma virada positiva na mobilidade urbana da cidade, 8 anos depois segue avançando em passos de tartaruga, à espera de meros 150 mil reais para iniciar um projeto piloto na Universidade de São Paulo. Ficou claro que, apesar de promessas do secretário Celso Barbosa, essa gestão não quer que essa lei seja de fato implementada.
Por outro lado, o transporte motorizado individual recebe total prioridade na gestão. Um intenso e rápido programa de recapeamento de vias apagou dezenas de ciclofaixas, e a ressinalização dessas vias por vezes demorava meses e meses, colocando o ciclista em risco constante. Obras viárias de grande porte como o novo túnel da Sena Madureira e a Nova Marginal são planejadas ao custo de bilhões, mas com nenhuma atenção à modalidade ativa. Para quem anda de carro ou moto, a cidade parece não ter mais leis.
A ampliação da fiscalização por radares na cidade foi ativamente proibida pelo prefeito por um decreto, mesmo com o inaceitável aumento do número de mortes no trânsito. As motocicletas hoje invadem as ciclovias e ameaçam ciclistas com a absoluta certeza da impunidade. E somos nós as vítimas desta bagunça.
Os ciclistas não querem muito. Não estamos aqui por conta do calendário eleitoral. Não pedimos muito mais do que o cumprimento das leis. Por que vocês não cumprem o PlanMob? Por que vocês não cumpriram o Plano de Metas que vocês mesmos propuseram? Por que não cumprem a lei do BikeSP? Por que vocês não cumprem o Manual de Obras Viárias da própria prefeitura? Leis não nasceram pra ficar nas gavetas.
O diálogo democrático entre a Câmara Temática da Bicicleta e os técnicos da prefeitura continuará. Não deixaremos de levar as demandas da comunidade para conhecimento do poder público. Mas vocês sabem que o trabalho dos últimos anos deixou a desejar. Para as famílias daqueles que perderam seus filhos para a barbárie do trânsito paulistano, espero que vocês lhes desejem sinceras desculpas, e que o trabalho futuro dos gestores gerem mudanças reais na cidade, e que cumpram com o dever ético e moral de preservar a vida e a segurança dos cidadãos paulistanos, independente de como exercem o direito de locomoção.
Conselheiros e Conselheiras da Câmara Temática da Bicicleta
03 de Setembro de 2024
Fotos e vídeos de Rogério Viduedo
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