Fernando Sastre de Andrade Filho (24) é o nome do condutor do Porsche 911 GTS ano 2023 de R$ 1,3 milhão, que atingiu a mais de 130 km/h a traseira do Renault Sendero do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Vianna (52), no começo da manhã de domingo passado, na avenida Salim Farah Maluf, Zona Leste de São Paulo. Vianna morreu logo após dar entrada na emergência no hospital, levado por uma ambulância do Corpo de Bombeiros.
Depois de rever vídeo algumas vezes, percebi que o impacto do carro esportivo na traseira do Sendero fez ele virar de ré e ser empurrado até que o lado do motorista batesse violentamente no poste de energia. Azar do trabalhador, pois nas portas dos carros populares não há airbag.
A foto da abertura mostra os dois carros destruídos. É um frame da matéria da TV Globo e é o perfeito símbolo do negacionismo de segurança viária ao qual estamos fadados a conviver. Como uma sociedade permite que um homem possa ter um carro esportivo de 580 cavalos, que vai de 0 a 100 km/h em TRÊS segundos e usá-lo nas ruas da cidade?
Por que um carro desse não sai de fábrica com um limitador de velocidade da mesma forma que a bicicleta elétrica, que precisa interromper a aceleração quando chega nos 32 quilômetros por hora? Quem permite isso não deveria ser responsabilizado?
Hoje a rádio CBN ouviu o delegado Nelson Vinicius Alves, do 30º DP do Tatuapé. Fernando Sastre de Andrade Filho vai responder por três crimes. Primeiro, o de homicídio com dolo eventual, por ter provocado a morte de Ornaldo. Segundo, por ter fugido sem prestar socorro. E por fim, pode ser acusado de lesão corporal a Carlos Vinícius, um amigo que estava com ele dentro do carro durante o sinistro depois de terem saído de uma casa de pôquer no Tatuapé onde passaram a madrugada.
Ambos foram ajudados pela mãe de Fernando a fugir da cena do crime. Ela chegou rapidamente no local e convenceu a equipe da Polícia Militar que atendia a ocorrência de que precisavam de cuidados médicos urgente. Segundo testemunhas ouvidas pela Polícia Civil, Fernando já queria ter fugido antes da chegada dos PMs, mas não conseguiu.
Nem Fernando nem Carlos estavam no hospital quando chegou a polícia para colher os depoimentos. Fernando apareceu só na delegacia ontem (3/4/2024), 36 horas depois da ocorrência e evitou o flagrante. Vai responder, por ora, em liberdade.
Já o amigo, que ainda não apareceu, pode deixar de ser vítima para ser investigado. O delegado disse que “engraçadamente” (sic) não o encontrou no hospital, nem em casa e nem em lugar nenhum. Achou estranho essa sumida.
A mãe do Fernando, Daniela Cristina Medeiros de Andrade, também vai ser indiciada. Por ter ajudado o filho a se evadir do local do crime, vai responder por fraude processual. Estar em duas frentres judiciais vai deixar ainda mais caro o rolezinho do “menino” no final de semana. Dinheiro parece que tem. É sócio na firma da família do pai, uma comercializadora de ferro para construção civil.
Hoje, a TV Record mostrou imagens de Fernando Sastre pouco antes de sair para o encontro mortal. Gesticulava expansivamente em uma aparente discussão com uma mulher loira, na rua em frente ao estabelecimento de jogo no Tatuapé. Logo em seguida, entram cada um no respectivo carro e deixam o local.
Já o SP1 da Globo teve acesso ao depoimento de uma testemunha. Ela contou que além da mãe, duas mulheres apareceram para ajudar a dupla do Porsche, mas ninguém se dispôs a ver como estava Ornaldo no outro carro. Clara omissão de socorro de quem só estava tentando eliminar evidências, como fugir do bafômetro. A testemunha afirmou, no entanto, que Fernando estava com voz pastosa. Sinal de embriaguez.
Silêncio na prefeitura
Ontem, ocorreu o enterro do Ornaldo. Mais um para a fúnebre estatística do Infosiga, a base de dados da violência viária do Governo do Estado de São Paulo, a atualizado sempre por volta do dia 20. A família vai passar por maus momento já que o Ornaldo era quem levava o dinheiro para casa. Trabalhador precarizado, não tinha seguro de vida em vigência e as empresas de aplicativos só acionam o seguro delas quando o motorista está atendendo um passageiro. Parece que não era o caso dele.
Não se ouviu um pio do prefeito Ricardo Nunes ou do Secretário de Mobilidade e Trânsito, Celso Barbosa. Para a administração da cidade de São Paulo, mortes do trânsito são um tema incômodo. Morrem aqui 80 pessoas por mês, em média. Metade são de motociclistas e em segundo lugar os pedestres. O atual governo abandonou a produção de relatório de sinistros e extinguiu a meta numérica de redução de óbitos.
Em 2023, foi o segundo ano consecutivo de aumento de óbitos. Foram 980 mortes computadas nas ruas, avenidas e rodovias da cidade e já é o segundo recorde, ficando atrás apenas dos 1133 casos registrados em 2015.
Justiça Lenta
O processo judicial contra Fernando vai ser lento. Como tem dinheiro para advogados, vai conseguir, inicialmente, protelar a marcação do julgamento em primeira instância. Como vai ser indiciado por homicídio com dolo eventual (intenção de matar) vai buscar mudar para um crime menor, o de homicídio culposo, sem intenção de matar. Assim, evita-se o Tribunal do Júri.
Ele deve seguir em liberdade pelo menos até 2027, mas a duração do litígio pode se extender por uma década. A nutricionista Gabriela Guerreiro Pereira, por exemplo, que atropelou e matou com um Land Rover o nutricionista Vitor Gurmam na Vila Madalena em 2011, só recebeu a condenação definitiva de dois anos em regime aberto em 2021. Hoje, já deve estar dirigindo de novo, já que a suspensão da CNH só foi de dois anos.
Outro exemplo é o caso da cicloativista Marina Harkot, que foi atropelada pelo SUV Tucson conduzido pelo empresário José Maria da Costa Júnior na avenida Paulo VI na noite de 8 de novembro de 2020. A defesa dele protelou durante três anos para não de ter seu caso julgado pelo júri popular. No entanto, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam que a acusação tem provas suficientes para manter a acusação de homicídio com dolo eventual e ele vai para o banco dos réus em junho deste ano. Vamos ver.
Visão zero
A adoção do conceito de Visão Zero para mortes e lesões de trâsito que é parte da constituição da Suéica e é encampada pela Organização Mundial da Saúde como método para lutar contra a violência viária, passa longe da política de mobilidade da Cidade de São Paulo. Nos últimos oito anos, houve um sucateamento da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que está desfalcada em mais de 300 funcionários e encerrou as atividades do departamento de pesquisa.
Ao mesmo tempo, o prefeito mandou tirar do plano de metas a redução numérica da taxa de mortes por 100 mil habitantes. Nos governos anteriores, a Cidade se comprometeu a reduzir o índice para 4 mortes por 100 mil. Quando esse prefeito assumiu, estava em 6, e agora já está em 8 por 100 mil, muito pela explosão de mortes de motociclistas, que são metade dos óbitos, superando os pedestres.
Jean Todt, enviado especial das Nações Unidas para a Segurança Viária, tem dito que só governos sem medo de reduzir velocidades e de fiscalizar e penalizar infratores, terão sucesso na luta contra as mortes viárias.
Isso já aconteceu em São Paulo, de 2013 a 2016, com o petista Fernando Haddad. Ele seguiu as melhores práticas da OMS e foi feliz em reduzir as mortes de 1.133 por ano em 2015 para 968 em 2016 e os efeitos dsa política pública perduraram até 2017, quando caiu para 883 óbitos. Redução de 22% em dois anos.
Fez o básico: redução de velocidades máximas para 50 km/h, inclusive nas marginais Tietê e Pinheiros, e fiscalização maciça com radares. As ações eram subsidiadas com parcerias com organismos internacionais como a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária, que entregou os melhores estudos sobre o assunto.
Na época, existia o LabMob na rua Boa Vista, onde uma foram geradas diversas iniciativas para tornar a mobilidade de São Paulo tão moderna quanto Londres ou Nova York.
Só que o negacionismo ganhou e, durante quase oito anos, quase todas as medidas de redução de óbitos foram desmontadas. O conceito de mobilidade de atual prefeitura é gastar R$ 3 bilhões em asfaltamento de qualidade e necessidade duvidosas, ao mesmo tempo, de implantar faixas para motocicletas manterem velocidade entre os corredores de carros e de limitar a expansão de rede cicloviária.
Dos 300 km de novas infraestruturas prometidas para os quatro anos de mandato, só entregou 40 quilômetros. Uma lástima.
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