Bicicletário de R$ 404 mil da Alesp virou estacionamento de motos. Administração diz que local está “ocioso”

Em um suposto desvio de finalidade, o bicicletário do Palácio Nove de Julho, sede da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, está servindo de estacionamento de motocicletas com autorização da administração da casa.

Na quarta-feira da semana passada, 13/03/24, flagrei pelo menos 13 desses veículos ocupando um grande espaço antes destinado aos armários e às bicicletas cargueiras, que tinham direito à quatro vagas no projeto original.

Bicicletário original tinha quatro vagas para cargueiras, (à esquerda) e um grande armário. (Rogério Viduedo – 12/03/2021)

Inaugurado em março de 2021 o bicicletário fica na Rua Abílio Soares, quase em frente o Círculo Militar. Foi projetado pela urbanista Suzana Nogueira e construído por Aroldo Almeida. Com investimento de R$ 404 mil, foi idealizado para ser um local de apoio e incentivo para quem decide usar a bicicleta como transporte, lazer ou meio de ganhar a vida.

A liberação para o público, por sua vez, só aconteceu a partir de novembro de 2022, quando começou a funcionar o serviço de vigilância contratado em licitação – em junho de 2022 – pelo valor total de R$ 317 mil. A vigência desse contrato é de dois anos.

Hoje, para dar lugar às motocicletas, a Alesp retirou os quatro paraciclos destinados às bicis cargueiras e diminuiu as dimensões do armário (@Ciclonauta – 14/03/24)

O desenho moderno do espaço coberto por telhas translúcidas e piso antiderrapante acolhe 80 bicicletas normais, quatro cargueiras, possui bancos de apoio, armários para guardar pertences, banheiros acessíveis, estações de ferramentas e tomadas para carregar patinete ou bicicleta elétrica, cuja energia é gerada por placas solares.

Ele pode ser usado por qualquer pessoa, sete dias por semana, das 7 às 20 horas. Só é necessário fazer um cadastro biométrico e ter uma trava ou corrente com cadeado. É grátis.

“Ocioso”

Bicicletário da Alesp em uso por bicicletas. As motos estão lá no fundo –
(@Ciclonauta – 13/03/24)

Em nota, a assessoria de imprensa da Alesp argumenta que a o uso por motos não gera prejuízo ao estacionamento de bicicletas. “Ocorre nos espaços de acesso e nas áreas livres e ociosas, como forma de atender a alta demanda de motocicletas no estacionamento de funcionários, seguindo ao mesmo regramento de cadastro previsto para o uso de bicicletas”.

Informam ainda que existem 344 cadastros de ciclistas, sendo 43 de funcionários. Usam esses números como justificativa para liberar espaço para motos.

“Apesar dos cadastros, no dia a dia o local ainda é pouco utilizado por ciclistas. Na imensa maioria dos dias, menos de uma dezena de bicicletas são estacionadas no local, que conta com serviço de vigia. O bicicletário permanece à disposição da população”, disseram, sem me informar a quantidade precisa de usuários, diária, semanal ou mensal.

Infrações?

Segundo apurei, quem manda atualmente na administração patrimonial da Alesp é a segunda vice-presidência da Mesa Diretora, ocupada por Rogério Nogueira (PSDB), que indicou Murilo H. Macedo como secretário geral de Administração. Todos ficam sob ordens do presidente da casa, deputado estadual André do Prado (PL).

Estacionar motos no local não está previsto no Ato 39/2019 da Mesa Diretora da Alesp, que criou o bicicletário a partir de um requerimento do deputado estadual Ênio Tatto (PT), de 2012.  O ato estabelece que bicicletário deve ser “delimitado exclusivamente para o estacionamento de veículos elencados no “caput” deste artigo”, que vêm a ser bicicletas, triciclos e similares.

Nem mesmo o regulamento do bicicletário criado pelo Ato 28 de 15/09/2021 para disciplinar o uso do espaço por usuários de bicicletas faz qualquer menção à possibilidade de uso por outros veículos.

A nota diz, por sua vez, que os motociclistas, em tese funcionários da casa, efetuam cadastro como manda o regimento. No entanto não informaram quantos cadastros de motos foram realizados.

Contrassenso

A Alesp possui um imenso estacionamento para carros e motos do outro lado do prédio. Não existe fundamento lógico usar um local pensado para incentivar o uso da bicicleta para acomodar motocicletas. O que a Alesp devia fazer é atrair mais ciclistas, tornar o local acolhedor e cumprir com os regulamentos que ela mesma criou.

Eu entrei em contato com o deputado Enio Tatto (PT) para saber a opinião dele, o responsável pela criação do equipamento. Assim que ele responder, o texto será atualizado.


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