Sheila Hempkemeyer: A bicicleta é uma abertura de mundos

Cicloativista Sheila Hempkemeyer

“A Caloi na adolescência foi só um sonho. Ganhei uma bicicleta na rifa da escola. Uma bicicleta sem marca mas forte com a qual adentrei no mundo do pedal. Hoje ela está em circulação, com um amigo em Florianópolis, que a usa em seus deslocamentos cotidianos.”

Blumenau volta e meia é castigada por enchentes, e mais recentemente por deslizamentos de terra, os desbarrancamentos. Em 2008, a cidade virou manchete nacional, dado o tamanho da catástrofe que devastou a região com água, barro e muitas perdas. Nessas situações de calamidade, as linhas de ônibus param, mas os empregadores nem sempre têm empatia com os funcionários. Em um desses momentos caóticos na cidade, Sheila resolveu enfrentar a enchente e os desbarrancamentos de bicicleta e ir trabalhar.

“Não tinha ônibus, não tinha carro. Fui de bicicleta. E aí, eu começo a dizer: ‘Pô, mas é tão legal fazer isso [pedalar]! Então eu posso ir em um grupo de pedal?!’”, recorda, sobre seu encontro com um novo mundo na bike.

Na época, o “Pedal do Boos” foi a escolha de Sheila.

Wilberto Boos, ou apenas Boos, falecido em 2014, era um cicloativista blumenauense reconhecido a nível nacional por sua importância na mobilidade humana e ativa. Foi um dos fundadores da Associação Blumenauense Pró-Ciclovias (ABC), no final da década de 1990, sendo uma das primeiras do país no segmento. O Boos, assim como o seu pedal, são reconhecidos por incluir todos os tipos de ciclistas, “pebas” ou “galácticos”, e não deixar ninguém para trás.

Frequentando o “Pedal do Boos”, Sheila começou a conhecer e se envolver mais com o cicloativismo. Participou do Bike Anjo, fez parte da ABC, prestigiou inúmeros eventos de bike como o Fórum Mundial da Bicicleta e o Bicicultura. Atualmente, é Diretora Financeira da União de Ciclistas do Brasil (UCB), além de empreendedora, junto com seu cicloamor, Enio Paipa, na Rep Ilimitada, que fabrica camisas sob medida para ciclistas.

Sheila é psicóloga e pedagoga de formação. É mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Incluiu em suas pesquisas a bicicleta e, a partir dela, as formas de se ver o mundo e o tempo.

“No meu mestrado, que se tornou um livro, trabalho a ideia de um efeito educativo da bicicleta sobre a vida. Já no doutoramento, minha pesquisa era sobre uma errância. O quanto a bicicleta promove a errância no movimento da gente. Uma errância numa perspectiva de poder se perder. E se perder é muito bom, né? Porque a gente acaba descobrindo muitas coisas… descobrindo pessoas, descobrindo o território. Desacelerando o tempo. Desconstruindo o produtivismo de ‘ser mais, ter mais’”, conta.

Cicloviajante, Sheila pedalou alguns muitos quilômetros pelas estradas do Brasil, principalmente passando por Janga, cidade próxima a Recife (PE), de onde seu cicloamor é natural. Para ela, cicloviajar é uma experiência única, pois permite “conhecer o mundo com o meu corpo, usando a energia do meu corpo, sentindo os meus limites, rompendo os meus limites, no meu tempo. Encontrar culturas diferentes, cidades diferentes, comidas diferentes. É viver – e reviver – outras vidas, realidades.”

Quando questionada sobre o que é a bicicleta para ela, Sheila pensa e diz: “É uma abertura de mundos, de você ver que não é só bicicleta. Aí a gente começa a ver que tem uma questão de gênero aí, tem uma questão de raça que a gente pode pensar, uma questão de classe, de quem é o estereótipo de quem pedala.”

Foto: Doug Oliveira Leforte


A entrevista ocorreu no mês de Setembro/2024 durante os eventos FMB e o Bicicultura em Brasília/DF.



Descubra mais sobre Jornal Bicicleta

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.