Ricardo Nunes só entregou 10% das ciclovias e ciclofaixas prometidas em SP, faltando 8 meses para o fim do prazo

Faltando menos de oito meses para encerar o mandato, a administração de Ricardo Nunes (MDB) está longe de entregar a meta prometida de 300 quilômetros em novas infraestruturas cicloviárias até o final de 2024. Por enquanto, a Secretaria de Mobilidade e Trânsito (SMT) só entregou 30 quilômetros, aproximadamente 10% da meta. Para dar conta, ela precisaria entregar 37,5 quilômetros todos os meses, até dezembro.

Até o gerente do Plano Cicloviário na Secretaria de Mobilidade e Trânsito da cidade,  Dawton Gaia, admitiu ser impossível cumprir a meta. Ele comentou o assunto durante reunião da Câmara Temática da Bicicleta, em 2 de abril de 2024, quando apresentou a situação das três frentes de expansão em andamento, assim como o dinheiro disponível para elas.

Foi uma admissão relutante já que, há algum tempo, ele mantém o discurso de que o ano só termina aos 23 horas e 59 minutos de 31 de dezembro e que ele e sua equipe estão “debruçados nesse problema”.  

Atualmente, a cidade possui 699,1 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas e o Plano Plurianual estipula o total chegue a 1.400 quilômetros até o final de 2028. Não inclui nessa conta os 32 quilômetros de ciclorrotas que não são consideradas infraestruturas, pois não oferecem segurança para quem pedala.

Concorrência problemática

A frente mais antiga de expansão cicloviária são as concorrências 002 e 003/smt de 2020 para construir os 48 quilômetros em ciclovias em concreto armado, distribuídos por 32 trechos. Elas foram vencidas pela Habitem Incorporações e Construções pelo preço total de R$ 17,12 milhões, valor este que recebeu um reajuste médio de 31,7% para de R$22,55 milhões devido à reestruturação econômico-financeira e a inclusão de serviços não previstos no edital, já que os projetos executivos das ciclovias usados para quantificar os serviços foram feitos durante a pandemia de Covid sem que os técnicos pudessem ir aos locais verificar os detalhes.

O processo de licitação, porém, foi problemático. Começou em 2020 ainda sob a gestão do falecido Bruno Covas e interrompida pelo Tribunal de Contas do Município (TCM)  por problemas no edital. Foi retomada em 2021 para ser homologada no começo de 2022, quando a Habitem assinou os contratos 003, 004 e 005/smt/2022 com a SMT.

De forma agressiva, ela ofereceu um desconto médio de 27% (R$ 6,52 milhões) para valor máximo do edital, que era R$ 24,15 milhões. Uma proposta imbatível, visto que o desconto médio do segundo colocado foi de 19%.

Mais de dois anos depois de assinados esses três contratos com a Prefeitura, ainda faltam 14 trechos a serem entregues. Pelo que apurei, cinco trechos estão com obras paralisadas. Outros cinco acabaram de ser iniciados e quatro ainda não foram iniciados. (Veja quadro).

Os contratos ainda estão em vigor, já que o atual secretário, Celso Gonçalves Barbosa, assinou um aditivo para prorrogar a duração deles até final de agosto de 2024, acatando justificativas da Habitem.

Planilha atualizada com situação de obras das concorrências 002 e 003/2020 em 02/04/2024

Segundo um documento assinado pelo engenheiro da empresa, Abbner Araújo, boa parte do atraso aconteceu porque a SMT parou de emitir ordens de serviço por sete meses, de janeiro a julho de 2023, “em razão da indisponibilidade de recursos financeiros”. Ele também alegou dificuldades impostas pelos períodos de chuvas e que alguns trechos deveriam ser feitos em etapas para não prejudicar o fluxo de carros e não colocar trabalhadores em risco, como na Radial Leste.

Assim, os trechos entregues para a cidade totalizam no momento só 25 quilômetros ou 52% do total de 48 quilômetros contratados com a Habitem que, no entanto, já recebeu R$ 17,68 milhões pelas obras, valor que corresponde a 78,5% do valor devido.

Radial Leste paralisada

Todas as cinco obras paralisadas nessas concorrências são fundamentais para conectar as periferias ao centro expandido. No caso da Radial Leste, só 25% da obra está pronta, segundo a SMT , ainda que Habitem tenha dito, no mesmo documento que pediu prorrogação do contrato, que já tenha entregado 79% da obra. Foram concretados um pedaço de ciclovia próximo ao Viaduto Bresser, até o Metrô Belém. A partir dali, até o Metrô Tatuapé, a obra parou.

Segundo o gestor do contrato, Ricardo Pradas, o projeto está sendo revisto, pois no mesmo trajeto haverá a construção de um corredor de ônibus e por isso, interromperam a construção da ciclovia para não “jogar dinheiro fora”.

Ponte do Jaguaré: primeiro as motos

Nesse mesma toada, está a ciclovia da Ponte do Jaguaré, uma obra que está 75% concluída. Já existe a concretagem do passeio no canteiro central da avenida Queiroz Filho desde a avenida Gastão Vidigal até o pé da ponte, bem como um outro trecho na praça que que leva à entrada da estação Villa Lobos-Jaguaré do trem.

A obra da Ponte do Jaguaré é fundamental para conectar as ciclovias da Avenida Escola Politécnica, Corifeu de Azevedo Marques e avenida Jaguaré com o resto da cidade e foi elencada como prioridade pelos ciclistas que participaram das audiências públicas de 2019. Porém, ela foi deixado para o final, apesar de ter sido um dos primeiros trechos a receber a ordem de serviço, emitida em 20/05/2022, com preço total de R$ 1,28 milhão. Desse valor, a Habitem já recebeu cerca R$ 1,05 milhão pelos 75% da obra já entregue. É um dinheiro parado.

O mais recente motivo para a interrupção da obra da Ponte do Jaguaré, segundo o gestor Ricardo Pradas, é a revisão do projeto viário para a inclusão de uma faixa de motos, a tal da Faixa Azul. Isso mesmo. Primeiro as motocicletas, depois as bicicletas.

É a desculpa mais nova. Houve outras ao longo dos dois anos.  Ainda em 2022, que precisavam o termo permissão de uso da via. Depois, alegaram que o atraso se dava porque precisavam de permissão para retirar as árvores no canteiro da Queiroz Filho. Queriam evitar ao máximo usar uma parte da faixa de rolamentos, o que não foi possível.

Também houve a interrupção das obras desses três contratos por causa da auditoria do TCM no segundo semestre de 2022, que apontou irregularidades nas medições dos serviços de alguns trechos, incluindo o da ponte, aprovadas pelo então fiscal dos contratos, Ariovaldo Parisotto, indicado então secretário de Mobilidade da época, Ricardo Teixeira.

Um processo foi aberto, o fiscal foi exonerado do cargo e a SMT teve que se reportar ao tribunal com explicações e medidas para reverter os prejuízos identificados. Por fim, os conselheiros ficaram satisfeitos com as medidas da prefeitura e mantiveram a legalidade dos contratos.

Problemas estruturais

A penúltima desculpa para o atraso na obra da Ponte do Jaguaré foi atribuída por Ricardo Pradas à Habitem. Ela estaria com receio de quebrar os muros que separam a via do passeio de pedestre dos lados internos (são duas pontes), com medo de afetar a estrutura dela. Sabe-se que a ponte tem problemas por ter sido afetada por um incêndio em 2019.

Recentemente, ela foi incluída num programa de manutenção de pontes da Secretaria de Obras da cidade, e uma empresa está trabalhando atualmente nela.

Como resultado de mais um atraso, ficam prejudicados os trabalhadores e trabalhadoras que passam diariamente por ali e se arriscam para cruzar a ponte em bicicleta. E não são poucos. Uma contagem realizada pela Ciclocidade em 27 de abril de 2023, registrou 466 ciclistas nos dois sentidos de direção, apenas nos horários de 7 às 9 e das 17 às 19 horas. Quase a metade deles vai pela pista dos carros.

Ciclovia na calçada

Há ainda outros três trechos parados, mas regularmente pagos. São as ciclovias da ponte da Freguesia do Ó e da praça Campo de Bagatelle, na Zona Norte, e da rua Alvarenga (fotos a seguir), na Zona Oeste. Esta última, com 2,43 quilômetros de extensão, está com 90% de conclusão e liga a ciclovia da Eliseu de Almeida com a Ponte Cidade Universitária. Diz a prefeitura que 90% está concluída, mas ainda falta a ligação da rua Caxingui com Eliseu de Almeida e que infelizmente ela será tão ruim como qualquer ciclovia que aproveita a calçada existente sem reformar o piso.

Eu passei por essa ciclovia no sábado de carnaval, 10/02/2024. Só vi concretagem nova em alguns pequenos trechos. Em boa parte dela, o piso permaneceu como antes, com irregularidades, desníveis e barreiras colocadas por proprietários. É um tipo de opção dessa gestão, de evitar tirar espaço dos carros e colocar o ciclistas para disputar espaço com pedestres.

Ela vai ficar tão ruim como a ciclovia da avenida Tiradentes, que era para ser feita no canteiro central, mas foi realocada para a calçada com a mesma intenção de acomodar a faixa azul das motos. 

A “agilidade” da PPP da Habitação

A segunda frente da expansão do Plano Cicloviário é a previsão de construir 98 quilômetros de ciclofaixas pelas construtoras já contratadas pela Cohab na parceria público-privada da habitação, executadas com dinheiro do Fundurb.

Apesar das construtoras terem vencido as licitações internacionais para construir só moradias populares, vão levar de lambuja, sem fazer concorrência, obras cicloviárias com valor orçado de R$ 60 milhões.

A ideia de agilidade vem sendo vendida por Dawton Gaia nas reuniões da CTB ao longo dos últimos 18 meses como a forma mais rápida de entregar as estruturas aprovadas nas audiências públicas de 2019.

Com essa nova modalidade de construção, a SMT chegou a entregar os trechos de ciclofaixas nas avenidas Corifeu de Azevedo Marques, Vital Brasil e a Benjamin Mansur, no Butantã. A implantação aconteceu no ano passado. O restante das ciclofaixas, no entanto, foi congelada para resolução de “problemas administrativos”.

Segundo o gerente, as pendências foram resolvidas e finalmente conseguiram liberar o dinheiro na Secretaria da Fazenda, o que já o permite emitir as ordens de serviço e começar as obras, mas não há garantia de que as empresas consigam entregar todos os 98 quilômetros em menos de sete meses.

Concorrência dos 158 km*

A terceira frente do Plano Cicloviário é a concorrência para contratar empresa para fazer, de forma integrada, os projetos executivos e a construção de 158 quilômetros de infraestrutura em três lotes, ao preço máximo de R$ 371 milhões.

Essa licitação teve o primeiro documento cadastrado no site de processos da prefeitura em agosto de 2022, e a primeira versão de edital, em outubro do mesmo ano. Passou por alterações que levaram a um edital publicado em setembro em 2023, mas que foi suspenso logo em seguida por decisão do TCM, que apontou problemas que teriam sido resolvidos pela SMT.

Em uma consulta acesso ao portal de processos da prefeitura em 11/04/2024, a SMT já concluiu a redação do novo edital, cadastrado agora em abril de 2024, mas ele não estava disponível ao público e nem foi publicado no Diário Oficial.

Ainda que o essa concorrência seja retomada ainda neste mês de abril, a homologação da empresa vencedora não sairá antes de julho deste ano. E mesmo que as obras começassem hoje, além do tempo escasso, não haveria nem dinheiro suficiente para construir toda a extensão pretendida.

Foto da abertura: ciclovia Ponte do Jaguaré, na avenida Queiroz Filho. Rogério Viduedo 3/03/2023

Do valor de R$ 371 milhões previstos para contratar a vencedora da concorrência, a SMT conseguiu liberar apenas R$ 60 milhões no orçamento deste ano, o que servirá apenas para o início do processo licitatório.

#jornalbicicleta

*Texto e informações referentes à concorrência dos 158 km foram corrigido em 20/04/2024,


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