Para funcionar, faixas de motos têm que ser exclusivas e separadas por barreiras, diz especialista da Malásia

O doutor Shaw Voon Wong é presidente do Instituto de Pesquisa de Segurança Viária da Malásia (MIROS, sigla em inglês), organização referência em estudos de segurança viária nesse país do Sudeste Asiático com reputação tenebrosa: uma criança morre todos os dias vítima de tragédias de trânsito em meio às 16 que acontecem diariamente.   Só em 2022, foram 6.080 óbitos registrados pelo governo local, em um país com cerca de 35 milhões de habitantes.

O número reportado pelos malasianos, porém, é bem maior do que aqueles da Organização Mundial da Saúde revelou recentemente, referentes à 2021. Nesse relatório, a Malásia aparece com total de 4.680 mortes e uma taxa de 14 óbitos por 100 mil habitantes, índice até melhor do que o do Brasil, de 16 mortes por 100 mil habitantes por ano.

Encontrei dr. Wong no mezanino do Hotel Clarion Sight em Estocolmo, capital sueca, onde acontecia no auditório do piso térreo, naquele momento, a segunda parte do primeiro dia da Conferência Visão Zero, um super encontro promovido pelo Governo da Suécia nos dias 26 e 27 de junho, com suporte da Organização Mundial da Saúde, Banco Mundial e Fundação FIA, onde especialistas em segurança viária e representantes de países de grande parte do mundo convergiram para trocar experiências em práticas e soluções no enfrentamento das mortes e lesões provocadas no trânsito.

Fiz questão de conversar com dr. Wong, ainda que por alguns minutos devido à agenda cheia, pois é do país dele o exemplo usado por técnicos de trânsito da Prefeitura de São Paulo para criar uma rede de faixas exclusivas para motociclistas trafegarem no corredor de carros congestionados, apelidada de Faixa Azul.

Na Malásia, 62% dos óbitos de trânsito são de ocupantes de veículos de 2 e 3 rodas, motos e triciclos. Liderança isolada nos índices de mortalidade viária, assim como no Brasil e na cidade de São Paulo.

Dr. Wong (esq.) conduz painel sobre motociclistas na Conferência Visão Zero, em Estocolmo, Suécia

Aqui no Brasil, todavia, a participação de motociclistas nesse cenário de óbitos de trânsito é menor em comparação com o tigre asiático, com 35,6% do total, segundo a OMS. Já na capital de São Paulo os motocas aparecem com uma taxa de fatalidade bem maior: 46% dos casos de mortes no trânsito de 2022 foram de ocupantes de motos, segundo dados do Infosiga. (Para ter acesso a dados de segurança viária compilados pela OMS, baixe o aplicativo WHO Road Safety para Apple ou Android).

Fui bem específico na pergunta:  a rede de faixas de motociclistas que está sendo implantada em São Paulo vai funcionar para reduzir mortes de motociclistas?

Ele me diz que esteve presente na visita técnica realizada na capital malasiana, Kuala Lumpur, na qual funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego, da Secretaria de Mobilidade e Trânsito da Cidade de São Paulo e até de sindicalistas representantes de entregadores por motocicletas da cidade. Eles viajaram 16 mil quilômetros para conhecer uma rede de motofaixa segregadas nada parecida com versão paulistana.

Lá, o sistema é bem diferente.  O país resolve a mobilidade por meio da popularização do uso da motociclista de baixa cilindrada, uma política pública que, no entanto, apresenta um custo alto: três de cinco mortes de trânsito são de pessoas em veículos de duas ou três rodas. Mas estão correndo atrás desse prejuízo criando uma grande rede de faixas EXCLUSIVAS para as motos.

O dr. Wong foi convidado pela Autoridade de Transportes da Suécia, a organizadora do evento, para ser o moderador de um painel sobre redução sinistros com veículos de duas rodas. Além de ter sido um dos Key Note Speaker da Conferência. Em síntese,o painel trouxe como conclusão que a moderação da velocidade e o desenho viário das ruas são vitais para redução dos sinistros com veículos de duas e três rodas.

Jornal Bicicleta: A faixa de motos de São Paulo pode ser comparada com as da Malásia?

Dr. Wong:A solução de São Paulo é uma solução fácil que provoca muita confusão para entrar e sair dela (da faixa). Enquanto houver a necessidade dos motociclistas cruzarem várias faixas de carros para chegar na faixa de motos, o risco de sinistro vai ocorrer. Ou seja, onde tem conflito tem risco.

Já as faixas de motos que temos na Malásia são exclusivas.  E eu digo totalmente separadas das outras faixas. Para funcionar, a faixa de motos deve ser realmente exclusiva. Estar separada dos outros veículos por barreiras físicas.

Na Malásia, estamos separando as faixas de motos em todas as rodovias e assim eliminado o risco de qualquer colisão de carros, caminhões e ônibus com alguma moto.

JB: Como é a política de segurança viária para motos na Malásia?

DW: Na Malásia, o governo incentiva a troca de automóveis por motocicletas. Ao mesmo tempo, promove reformas nas estradas para acomodar as faixas exclusivas e as prevê antecipadamente em todas os projetos de novas rodovias a serem construídas.

JB: E funciona?

DW: Funciona porque temos barreiras físicas de concreto e com folga entre as faixas de carros. Agora, há políticos que não gostam de fazer isso, pois além de custar dinheiro, os donos de carros ao ver os motociclistas trafegando com liberdade ficam irritados por estarem presos no congestionamento.

JB: Você não vê algum benefício na de São Paulo?

DW:O benefício está lá, mas de quanto é esse benefício? Para quem não é familiar com essa faixa, que vêm de outras cidades, usá-la pode ser um risco, por causa do desconhecimento.

E, no corredor, os carros e motos ainda estão em conflito. A faixa também pode motivar os motociclistas a aumentarem a velocidade.

JB: Na Inglaterra, a legislação prevê que motos em corredor devem ter velocidade compatível com a velocidade dos carros.

DW: Quando tem congestionamento, o tráfego está parado, a velocidade das motos no corredor tende a diminuir. Mas, depois das 10 da noite, a faixa pode motivar o uso de mais velocidade.

Foto de abertura: Motofaixa eclusiva na Rota 2 próxima do portal Kota Darul Ehsanm, em Kuala Lumpur – Captura do Google Maps.


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